11/04/2010

QUEREMOS RESULTADOS - Gustavo Ioschpe

No campo da Educação, as críticas são rebatidas com um movimento-reflexo de culpabilização de terceiros.

Seu filho vai ser operado do rim em um hospital público e, em vez disso, lhe operam o fígado. Erro médico grosseiro. “Não venha colocar a culpa em mim!”, diz o médico. “Ganho um salário miserável, faço plantão em dois hospitais. Estou fazendo um curso de especialização porque amo essa profissão. É fácil reclamar, mas você não sabe como é trabalhar em um hospital superlotado, onde faltam leitos e remédios, em que o diretor não está nem aí. Sem falar nos governantes... E também o seu filho estava tão mal nutrido e mal cuidado que o rim dele estava com a maior cara de fígado. Com uma conjuntura dessas, como você pode reclamar do resultado da operação?! Exijo respeito!”
Se eu encontrasse um médico desses na minha frente, provavelmente lhe arrancaria o fígado e os rins. Não estou muito interessado nas agruras e esforços daqueles que tratam da minha saúde e dos meus familiares. Quero apenas resultados. O caso acima não aconteceu. É apenas um símile da educação brasileira, que não é apenas ruim ou digna de país subdesenvolvido: é uma das piores do mundo. E seus artífices são principalmente os professores, assim como na saúde são os médicos. Mas, no campo da educação, as críticas são rebatidas com um movimento-reflexo de culpabilização de terceiros.
A aula não dá certo porque o aluno é indisciplinado e preguiçoso, os pais são pobres e burros. Não ocorre que o aluno possa ser dispersivo e desinteressado porque não é comprometido, porque se interessa por muitas coisas menos por levar a sério o seu processo de aprendizagem, porque ele recebe um ensino ruim, porque o professor usa dinâmicas pedagógicas enfadonhas e atrasadas e frequentemente tem baixo domínio do conteúdo. Quando essas possibilidades são aventadas – e, em realidade, são mais do que possibilidades: são verificadas em vários estudos, pesquisas e censos - o professor culpa a tudo e a todos pelo fracasso escolar, e ainda indigna-se que alguém que não dá aula tenha a pachorra de colocar o dedo na ferida.
O professor de colégio público, por exemplo, é um servidor público e deve sim satisfações a quem paga o seu salário por meio de impostos e delega ao magistério uma tarefa cujo resultado também tem fortes conotações públicas, que é a formação das gerações futuras. A sociedade brasileira começa a acordar para o desastre que é a nossa educação e o comprometimento dos nossos estudantes. Começa a entender que melhorá-la significa requalificar os professores, exigir resultados, interferir nos currículos de cursos de Pedagogia e Licenciaturas, que os materiais didáticos sejam usados, exigir diretores competentes, demandar que a carga horária e a disciplina sejam cumpridas, que professores não faltem e não se atrasem e sejam rigorosos com os alunos que tratam as aulas com descaso e desdém.
O professorado, demais profissionais da Educação e estudantes podem e devem ser grandes aliados nessa batalha, mas só serão parceiros quando notarem que a Educação brasileira não vai bem e que, em muitos casos, eles não desempenham bem os seus papéis.Nesse momento, tenho certeza de que todos os brasileiros de bem darão as mãos aos professores e construirão um sistema de ensino melhor, junto. Enquanto persistirem, professores e alunos no seu auto-engano, na sua impermeabilização frente à realidade, a sociedade os perceberá cada vez mais como o médico do exemplo acima, e todos nós continuaremos pagando o pato.

(Texto adaptado revistaeducacao.uol.com.br/textos/2007)

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